terça-feira, março 28, 2006

E lá vamos nós outra vez....


O Estádio do Bonfim, palco de tantas e tantas noites de glória verde e branca, viveu na passada Quinta - Feira, mais um episódio que perdurará por muitos e muitos anos na memória de todos os setubalenses e que será contado e transmitido, estou certo, a várias gerações futuras de vitorianos.


O dia começou cinzentão e chuvoso em Setúbal. Durante largas horas e de forma copiosa, a chuva não parou de cair. Os céus abençoavam desta forma a cidade e o palco da segunda meia final da Taça, para aquele que muitos já consideram o jogo do ano.

O cordão verde foi um sucesso, pleno de emoção e fervor vitoriano e constituiu sem sombra para qualquer dúvida o primeiro grande tónico e a primeira injecção suplementar de motivação para os jogadores de verde e branco trajados.


Confesso que as páginas da História, que nos diziam que sempre que o Vitória vence a Taça de Portugal, a defende no ano seguinte no mesmo palco, me deram alguma tranquilidade para encarar com serenidade e muita confiança os dias que antecederam o jogo com o Vitória de Guimarães. Com 95 anos de História não seria desta que iríamos deixar mal os nossos antepassados vitorianos e com muito sangue, suor e lágrimas lá estaremos no próximo dia 14 de Maio a viver a festa de uma das mais míticas competições do futebol à beira mar plantado e onde o Vitória por 10 vezes já garantiu o direito a disputá-la no palco da Final.

Rubinho, Janício, Auri, Veríssimo, Nandinho, Sandro, Ricardo Chaves, Binho, Bruno Ribeiro, Varela, Sougou, Adalto, Carlitos e Pedro Oliveira, são os nomes dos 14 jogadores que na noite de 23 de Março, tornaram possível planearmos novamente uma das mais bonitas festas do luso futebol.


Com Hélio Sousa "empurrado" para a bancada, coube a João de Deus e a Carlos Cardoso orientar e dirigir a equipa. E fizeram-no, se me permitem, de forma exemplar.
A experiência de Carlos Cardoso , homem de muitas finais e muitas noites de glória vividas enquanto jogador com o emblema vitoriano ao peito, aliada ao conhecimento científico, à competência técnica, à irreverência da idade e ao vitorianismo puro e genuíno do João de Deus, fizeram desta meia final a verdadeira final antecipada e proporcionaram ao discípulo do vitoriano Zé Mário uma verdadeira lição de táctica, de querer, de abnegação e de transcendência.

O ambiente em torno da partida era fenomenal e não fora a chuva, o horário, o dia da semana e a transmissão televisiva e seguramente o Estádio teria registado a enchente que a importância do jogo e o carácter dos profissionais do Vitória exigiriam. Não encheu, mas ficou muito bem composto.
A falange de apoio vimaranense, longe dos seis mil apregoados, não deixou de fazer inveja à esmagadora maioria dos clubes portugueses e constituiu sem dúvida um dos aliciantes deste jogo.
Os de Guimarães, há 18 anos arredados do palco do Jamor, onde por 4 vezes tentaram conquistar o troféu, sem sucesso, entraram no jogo determinados a iludir o mau comportamento desportivo no campeonato e a proporcionar aos seus adeptos a viagem até Oeiras no próximo 14 de Maio.


A primeira metade da partida foi algo monótona, com um domínio aparente, porque consentido, do Vitória de Guimarães que se aproximou mais vezes da baliza setubalense, sem no entanto criar verdadeiro perigo para a baliza guardada por Rubinho, excepção feita ao remate de Benachour à passagem da meia hora, a que o internacional brasileiro do VFC correspondeu com aquela que, em circunstâncias normais teria sido a defesa da noite.
O Vitória setubalense nunca se atemorizou e respondeu passados poucos minutos, com um pontapé fantástico de Sandro, a mais de 40 metros, a obrigar o guarda redes Nilson, a voar e com a ponta dos dedos ceder canto. Na sequência do canto, Auri ameaça pela primeira vez as redes contrárias, ao elevar-se com categoria e a cabecear com perigo, para a defesa do guardião vimaranense.



O intervalo chegava com o placard a assinalar um nulo que premiava o rigor e a consistência setubalense e penalizava a inoperância e o pouco discernimento dos comandados de Vítor Pontes.
No segundo tempo, Adalto - bravíssimo, exemplo de raça e galhardia - substituiu o tocado Nandinho - exibição discreta - e foi um dos impulsionadores de todo o futebol verde e branco.
O Vitória reentrou a todo o gás e nos minutos iniciais Sandro, após excelente jogada de Varela na esquerda, desperdiçou, já com Nilson batido, um golo de baliza escancarada, para desespero dos adeptos e do próprio capitão dos setubalenses.
Dado o mote no início da segunda parte, o resto da etapa complementar confirmou as suspeitas iniciais, o Vitória sadino entrava determinado a controlar a partida, assentar o jogo, aniquilar as ofensivas vimaranenses e desferir fulminantes contra ataques aproveitando a velocidade de Sougou e depois de Carlitos, sem grande sucesso em termos de oportunidades claras de golo, mas causando constantes sobressaltos ao Guimarães.
Com o jogo claramente dominado e controlado pelo Vitória, foram os de Guimarães, em cima do minuto 90 a causar pânico nas bancadas do Bonfim, porém o Senhor Auri, imperturbável, sereno, gigante, substituiu Rubinho e todos os seus companheiros de defesa e em cima da linha de golo evitou o que parecia o golo de Saganowski, para desespero agora de toda a superior sul do Bonfim.



E com o nulo a reflectir o equilíbrio entre os dois oponentes, chegámos ao prolongamento com um Vitória mais fresco fisicamente, mais agressivo, mais forte, mais equipa - não me canso uma vez mais de realçar o notável e espectacular trabalho do Prof. João de Deus ao longo dos últimos 2 anos - que deixava adivinhar que seria no prolongamento que os sadinos desfeririam, à semelhança da meia final do ano passado, o golpe mortal nas aspirações dos comandados de Vítor Pontes.

Com Pedro Oliveira a render Bruno Ribeiro ( notável gestão do plantel e cirúrgicas substituições) o Vitória de 1910 afirmava peremptório que não se intimidaria com a superioridade teórica do Vitória de 1922 e de forma abnegada lutou e sofreu para que a presença no Jamor voltasse a ser uma realidade um ano depois.
Apesar da emoção,a primeira parte do prolongamento continuou sem render golos e quem estava no Bonfim e os milhões que em casa, espalhados pelo globo, assistiam pela televisão preparavam-se para 15 minutos inesquecíveis. Pela incerteza, pelo drama, pela glória, pelas emoções vividas, pela contraditoriedade de estados de espírito vividos em tão curto espaço de tempo.




Aos 108 minutos, um grito de alegria de quase 4 mil espectadores, motivado pelo cabeceamento certeiro do polaco Saganowski ( na sequência de um livre inexistente que só Paraty descortinou), gelou os vitorianos e setubalenses e transportou-os para um pesadelo do qual muitos temiam já não acordar. Os mais desalentados, que serão talvez os que mais sofrem por amor ao clube, incapazes de prolongar o pesadelo durante os 10 minutos que ainda faltavam começavam a sair do estádio, sob o olhar, já com lágrimas, dos que continuavam a acalentar o sonho de repetir a presença na festa do Jamor.

O anti-jogo mesquinho, próprio dos pequenos e incapazes, protagonizado pelos jogadores do Guimarães depois de se terem posto em vantagem, somado aos gritos de vitória antecipada e aos insultos e provocações dos adeptos nortenhos tornaram ainda mais saborosos e justos os momentos épicos que os vitorianos de Setúbal ainda tinham para viver.

Nunca baixando os braços, apesar de incrédulos com o que lhes havia sucedido, os jogadores do Vitória sentindo o peso da responsabilidade e quiçá o aroma das sardinhas no Jamor ali tão perto, fizeram das tripas coração e lançaram-se desenfreadamente ao ataque, à excepção do guarda redes Rubinho, que ficou cá atrás de joelhos a meter uma cunha sabe-se lá a quem, e numa jogada de insistência do colectivo vitoriano Adalto lança para a direita da área onde o raçudo e esforçado Pedro Oliveira descobre uma nesga para cruzar para o interior da pequena área onde aparece qual D. Sebastião vindo da névoa para nos encher de esperança, o Senhor Auri a desferir um pontapé, que só não furou as redes da baliza porque são feitas da mesma forma que as da pesca.






A ansiedade, a tristeza, a frustação e a desilusão, que se apoderaram dos vitorianos de Setúbal ao minuto 108 do prolongamento, contrastando com a euforia e alegria dos vitorianos de Guimarães, deram lugar neste momento a um dos mais sofridos e desesperados gritos de golo alguma vez ouvidos no Bonfim, cujos décibeis ecoaram por toda a cidade, do forte de S. Filipe ao castelo de Palmela.
Nas bancadas novos e velhos, homens e mulheres até então desconhecidos abraçavam-se e saltavam numa comunhão de sentimentos e alegria que só o futebol e o sentimento vitoriano tornam possível compreender.

Há muito que não se sofria tanto no Bonfim ( e como se tem sofrido naquele estádio) e aquilo que nos esperava - desempate por penalties - já não acontecia na catedral setubalense, seguramente há mais de 10 anos e a última vez terá sido no extinto e saudoso torneio veraniego Costa Azul.

A abrir as hostilidades o gigante setubalense, Senhor Auri, dirigiu-se para a marca de penalidade confiante, sereno, no seu jeito algo desengonçado e sem dificuldades e com demasiada categoria para um defesa central colocou o Vitória em vantagem. O outro Vitória, logo no primeiro penalty desequilibrou a igualdade e por intermédio de Cléber, desperdiçou com a bola a embater estrondosamente na barra, para nova explosão de alegria nas bancadas do Bonfim.
Os menos avisados pelas euforias antes do tempo, já comemoravam e festejavam triunfantes, quando um dos melhores do Vitória, Adalto, ao pontapear o que lhe competia, atirou por cima da baliza para desespero de milhares no Bonfim e milhões no planeta. Moreno, pelo Guimarães restabeleceu a igualdade.
A vantagem setubalense foi novamente possível depois da execução superior de Pedro Oliveira .


O Guimarães tentaria através de Geromel empatar de novo o jogo, mas de forma notável Rubinho começava a pagar o favor que havia rogado de joelhos minutos antes e dava novamente motivos para sorrir aos vitorianos setubalenses, após a excelente defesa rubricada.

Quando a ninguém passava pela cabeça nova oferta setubalense, Binho ( mais uma grande exibição plena de entrega, dedicação e competência) imita o companheiro Adalto e volta a enviar a bola para perto do VIII Exercito magnificamente instalado na Superior Norte. Paíto, um dos melhores do Guimarães, volta a devolver a esperança aos minhotos ao converter superiormente o que lhe tocou e Carlitos, no quinto cumpre e marca e deixa o Minho e o Sado em suspenso, para o último penalty desta série.

De um lado Paulo Sérgio determinado a evitar que o jogo terminasse ali, do outro, Rubinho, que depois de ver as suas preces ouvidas sabia que tinha de pagar a factura pelos serviços prestados. Com uma postura fria e com uma querença e confiança inabaláveis, mirou olhos nos olhos o seu oponente, pensou: " Vou já acabar com isto" e voou para a defesa que o converteu no novo herói vitoriano, nos deu a todos o passaporte para o Jamor e permitiu que finalmente pudéssemos gritar, vibrar e saltar com lágrimas de alegria e felicidade, num momento único, inesquecível, de imensa satisfação.













São momentos de profunda emoção, de profundo sentimento vitoriano, onde nos lembramos do orgulho que temos em ser do Vitória, em que nos lembramos de todos os momentos em que foi difícil ser Vitória, em que recordamos todos os sacrifícios e privações que por Ele fazemos e em que voltamos a soluçar e a chorar por todos os vitorianos ausentes e os já desaparecidos que connosco partilharam tristezas e alegrias e que nos tornaram nos vitorianos que hoje somos e na pena que temos por hoje não poderem estar a nosso lado a vibrar com mais este brilhante e histórico feito do Enorme Vitória Futebol Clube.

Para os milhares de adeptos do Guimarães familiarizados com os conceitos de desportivismo e urbanidade, a minha palavra de apreço e admiração pelas comoventes manifestações de apoio ao clube, à semelhança do que os adeptos do VFC fazem há muitos e muitos anos.


Também nós setubalenses e vitorianos da geração sub-30, penámos e palmilhámos muito para hoje podermos estar a viver estes momentos, também nós há cerca de 7 ou 8 anos, numa noite invernosa e chuvosa de Quarta-feira, literalmente invadimos Aveiro, para cumprir o sonho de uma geração, e fomos impedidos de ir ao Jamor, não por qualquer infortúnio ou culpa própria, mas por uma arbitragem vergonhosa do mesmo senhor que no passado 29 de Maio foi obrigado a contemplar e admirar o Hélio e o Sandro a erguerem o caneco, mesmo tendo inventado o primeiro e único golo do Benfica, ao assinalar, ainda nem cinco minutos estavam cumpridosl, um penalty inexistente.

Para a História continuará a constar que sempre que o Enorme Vitória Futebol Clube ganha o troféu, repete no ano seguinte a presença na final. Diz-nos, porém a história também, que sempre que tal acontece o Vitória não repete o triunfo. Mas diz o povo e com razão e neste momento diz-se em Setúbal com toda a convicção que à terceira é de vez e que a derrota ( diz quem viu, que injusta e sem verdade desportiva) de 68 frente ao Porto será esquecida para dar lugar a nova enchente na Praça do Bocage para comemorar um feito inédito na História do Vitória e que muito poucos comemoraram: ganhar a Taça de Portugal duas vezes seguidas e carinhosamente cantar: És tão boa, és tão boa!!" Recordo apenas, para os fãs dos números e da estatística que a chegada ao Jamor, no que ao combate com primodivisionários diz respeito, foi feito sempre à custa de equipas às quais não tínhamos conseguido vencer para o campeonato: Boavista, Guimarães.... e agora segue-se o Porto, a quem este ano também ainda não ganhámos.

Se o nome do Estádio ainda parece não ser suficiente para que todos percebam que até ao lavar dos cestos é vindima, este jogo tal como outros decididos nos derradeiros momentos, é a prova de que no Vitória, tal como em todas as outras religiões conhecidas, é preciso devoção e fé. Fé na alma sadina, setubalense e vitoriana, Fé no emblema que orgulhosamente ostentamos, Fé nas riscas verde e brancas, Fé na dignidade dos profissionais vitorianos e Fé no apoio e na força que consecutivamente transmitimos aos que galharda e estoicamente envergam a camisola com o símbolo do nosso contentamento.



Saudações Vitorianas
Spry

Sem comentários: