domingo, março 20, 2005

Vitória com estratégia rachada

O Vitória - Benfica começou cedo na cidade de Setúbal.
Pela manhã, entre uma ginja no Tóino e a escolha do tamboril e pata-roxa para a caldeirada do almoço, foi perceptível o entusiasmo e a fézada que reinavam entre os profissionais do Mercado do Livramento.

Junto ao estádio, os vendedores ambulantes optaram por montar o "estamine" ainda antes das oito e meia da manhã.
Ao meio-dia dezenas de automóveis, ornamentados com cachecóis e bandeiras vermelhas, invadiam a cidade e deixaram adivinhar dia em cheio para os restaurantes setubalenses.

Às 21h00, quando entrei no estádio, já o Bonfim, praticamente cheio, estava em festa, engalanado para receber o líder do campeonato.
O ambiente era o ideal para os grandes clássicos do futebol português, estádio cheio, público vibrante e entusiasta, bons intérpretes no palco e centenas de VIPs, muitos deles bêbados e provocadores, espalhados pelos camarotes.

Zé Rachão e a equipa do Vitória, honra lhes seja feita, entraram no jogo dispostos, intencionados e determinados a conquistar mais três pontos caseiros. Ilação inferível, quer da constituição da equipa, que jogou com o seu trio ofensivo habitual ( Jorginho, Moraes e Meyong), quer das declarações do treinador do Vitória, antes do início do encontro, que revelou estar a jogar para ganhar, quer da atitude e exibição da equipa vitoriana, sobretudo no primeiro quarto de hora do jogo.

Palavras leva-las o vento.

O jogo começou vivo e animado, sobretudo por responsabilidade directa de Jorginho e Meyong, que aos 20 segundos de jogo, já punham de pantanas a defensiva benfiquista.
O primeiro lance, de potencial importância para o desenrolar da partida, dá-se ao minuto 3, quando Bruno Moraes, inadvertidamente, tomba sobre as costelas de Petit e obriga Giovanni Trapattoni, velha raposa, que inscreveu pela primeira vez, no seu brilhante currículo, uma vitória no Bonfim, à primeira alteração forçada do jogo.

Aos seis minutos, na sequência do primeiro canto da partida, Auri, sobe na pequena área sózinho e cabeceia à vontade... para a linha lateral!!! Gorava-se assim a primeira grande oportunidade de golo do Vitória e do jogo.
Dois minutos depois, o melhor jogador da SuperLiga, o génio brasileiro Jorginho, num rasgo de inspiração, desfere um remate fabuloso, com conta, peso e medida, a uns metros da entrada da área, que só não dá golo, porque Quim, guarda-redes do Benfica, corresponde à genialidade do artista vitoriano com uma defesa de grande categoria, proporcionando o primeiro grande momento de futebol no Bonfim e o segundo canto da partida.
Aos 9m, o Vitória conquistava o terceiro canto, após nova investida do ataque vitoriano e deixava atarantada e intranquila a defensiva encarnada, como Ricardo Rocha o revelava, com o seu anti-desportivismo.

Nesta altura só dava Vitória, e dois minutos volvidos Manuel José, tabela com Jorginho, remata, em mais uma tentativa de inaugurar o marcador e conquista o 4º canto da partida. O mesmo jogador bate o canto na direcção de Hugo Alcântara que, ganha espaço e posição para rematar e proporciona aos adeptos vitorianos a primeira sensação de golo, com um pontapé que embate nas malhas laterais, com Quim já batido.
Os adeptos de verde e branco trajados gostavam, aplaudiam e gritavam Vitória!Vitória!Vitória!.

Os jogadores correspondiam e lutavam, corriam, pressionavam a equipa contrária.

O Benfica, causa a primeira sensação de perigo, com um ataque do lado esquerdo, num cruzamento aparentemente inofensivo de Dos Santos que embate na barra da baliza guardada pelo jovem Paulo Ribeiro.
No minuto seguinte, o quinze, o primeiro lance polémico deste jogo. Geovanni isola-se, em posição legal, ultrapassa Paulo Ribeiro e é derrubado, ilegalmente, pelo guardião sadino. João Villas Boas, manda jogar e erra.
Na resposta, o Vitória volta a ameaçar a baliza benfiquista, Meyong troca os olhos a Luisão, dá-lhe um nó fantástico, cruza para Bruno Moraes, e o árbitro compensa o penalty não assinalado ao SLB, marcando falta de Moraes sobre Ricardo Rocha, quando os jogadores estão um metro separados, não existindo o mínimo contacto.

Aos 27m, o lance capital da partida. Veríssimo é bem expulso por João Villas Boas, ao cometer falta sobre Simão, após uma enorme displicência perde posição e vê-se forçado a impedir a progressão do internacional português, que seguia isolado para a baliza, com um puxão que não deixou margem para dúvidas, deixando o Vitória em apuros.

O recém contratado, pelo F.C.Porto, guarda-redes Paulo Ribeiro, dá o primeiro sinal de intranquilidade aos 34m, quando sai mal da baliza, após a cobrança de um canto e permite a Nuno Assis cabecear a rasar a barra, iludindo os adeptos do Benfica que já gritavam golo.

Foi um Vitória lutador, emotivo, com sangue na guelra, aquele a que assistimos no primeiro tempo, contra um Benfica, à imagem e semelhança do seu treinador, pragmático, frio e calculista.
A cinco minutos do intervalo, em mais uma jogada do ataque vitoriano, o tridente ofensivo volta a causar perigo, com um lance que culmina com um cabeceamento de Bruno Moraes, que por milagre e de forma escandalosa não inaugura o marcador.
No minuto seguinte, o menino benfiquista a quem um dia José Mourinho qualificou como de "granda máquina" desfere um remate traiçoeiro, que dá golo para o Benfica, após Paulo Ribeiro, com um frango monumental, se revelar impotente para travar a trajectória do esférico.

Ao intervalo a substituição operada por José Rachão, Binho entra para o lugar de Meyong, suscitou receios e dúvidas, nalguns treinadores de bancada, que esperavam e desejavam um Vitória afirmativo, determinado, ainda que reduzido a 10, acutilante e apostado em inverter o resultado negativo, entre os quais me incluo.
Aos 15 segundos de jogo o Benfica conquista o primeiro canto e dá o primeiro sinal do que se seguiria. Num espaço de 9 minutos, fruto da exclusividade do futebol ofensivo, o Benfica conquista seis pontapés de canto.

Valdemar Duarte, jornalista, comentador e relatador, da transmissão TVI, empresa de comunicação social , que representa o expoente máximo da incompetência e parcialidade da informação, nomeadamente desportiva, tem uma tirada, que quando proferida, aos 8 minutos, se ouvida em directo poderia ser interpretada de forma desrespeitosa e insultuosa para o Vitória e para os vitorianos, mas que infelizmente reproduziu com verdade o real estado da equipa verde e branca: " O Setúbal encostou às cordas". Quanto à designação incorrecta do nome do clube apenas, me compete registar a ignorância e/ou má fé do jornalista, ao chamar o clube pelo nome da cidade, relativamente ao knock-out insinuado, o desenrolar da segunda parte, confirmou o pior.

A etapa complementar da equipa de Rachão, confirmou algumas das críticas e opiniões negativas, relativamente à contratação do então treinador do Torreense, nomeadamente as que afirmavam que a escolha de um mister da "velha-guarda", com uma filosofia e métodos assentes no gerir 0-0, esperar para ver, só ir pela certa, conceder a iniciativa ao adversário, jogar para destruir, não se adequaria a este plantel jovem, inteligente e ambicioso do Vitória.

Os minutos passavam e o Vitória das poucas vezes que passava com a bola a linha de meio campo, rara, mas muito raramente chegava à area contrária. O Benfica, por seu turno, instalado, tranquilamente no meio campo vitoriano, chegava com frequência à área do Vitória e em variadíssimas ocasiões esteve perto de marcar.
Óbvia e naturalmente, aos dezoito minutos, Geovanni, feliz, remata contra um adversário, beneficia da mudança de trajectória que trai o guardião sadino e factura o segundo para o Benfica, para gáudio dos milhares de benfiquistas presentes nas bancadas do Bonfim e de Geovanni Trapattoni e Álvaro Magalhães que , curiosamente, comemoravam , de forma efusiva, de costas voltadas um para o outro.

O Vitória que até aqui se tinha, exasperantemente, limitado a ver jogar, baixou ainda mais os braços e nem a substituição que Rachão de imediato efectuou, alterando o esquema para como no início do jogo, entra Zé Rui, para o lugar do exausto Ricardo Chaves, cambiou o sentido e o desenrolar do jogo.
Apesar de nesse momento, fruto de uma iniciativa do lado esquerdo de Ribeiro, Bruno Moraes tenha estado perto de marcar, porém Luisão impediu e cortou para canto.

Rachão ao minuto 73, por lesão de Manuel José, forçado a alterar, ao invés de optar por uma solução ofensiva que visasse assumir o jogo até ao fim, colocou um defesa direito no seu lugar - Ricardo Pessoa e ouviu pela primeira vez os assobios de uma massa adepta humilhada pela falta de luta e entrega na segunda parte, quer dos jogadores, quer do treinador.

O jogo evoluía, caminhava para o final e o Benfica continuava a gerir o jogo como queria, trocando e fluindo tranquilamente a bola perante o olhar apático e expectante dos jogadores do Vitória, que se limitavam a impedir a possibilidade do Benfica fazer o três zero, como José Rachão admitia, em declarações após o jogo: “ Se não fechássemos os caminhos da baliza poderíamos ter sofrido muitos golos”, admitindo que se tinha limitado a preocupar-se em não sofrer muitos golos do que a lutar pela vitória.

Não creio que seja aceitável que, qualquer que seja o adversário, no Bonfim, a equipa do Vitória entre em campo determinada em conquistar apenas o mal menor e a gerir derrotas por margens minímas. Não creio que seja aceitável, que, mesmo em inferioridade numérica, a equipa do Vitória desista de lutar pelos três pontos antes do apito final. Não aceito que o treinador José Rachão, de preferência clubística benfiquista, se resigne com o 0-1 e que, com Pedro Oliveira, Hélio e Igor no banco, opte por fazer entrar, depois do 0-2, Zé Rui, jogador do Benfica, que já não engana ninguém que tenha acompanhado a sua progressão no Vitória, à excepção deste treinador. Não gostei, nem creio que seja aceitável que o vitorianos no Bonfim sejam obrigados a assistir a manifestações de lampionagem, como a presença da águia Vitória na pista do Bonfim.
Com tantas calúnias sobre uma inventada e falsa aliança privilegiada com o FC Porto, aquilo a que assistimos hoje, com excepção dos primeiros quarenta e cinco minutos, foi um Vitória demasiado macio e conformado contra o clube que Eusébio representou.

Numa exibição sofrível da equipa vitoriana, merecem destaque positivo o inconformismo de Jorginho e a imponência de Hugo Alcântara.
O destaque negativo não pode deixar de ir para o treinador do Vitória, que não soube nem quis motivar e inflamar o ânimo dos atletas vitorianos, de forma a virar o resultado negativo que se registava ao intervalo.

O apelo, no final deste jogo, de má memória para a família vitoriana, vai para o Presidente e Conselho de Administração da SAD do VFC: demonstrem a inteligência de quem sabe reconhecer um erro e corrijam o rumo traçado com a chegada do treinador do Montijo.
O Campeonato recomeça dentro de duas semanas e ainda é possível, tendo em conta o que ainda falta de época, impedir a criação de um clima de descrença entre os jogadores, sócios, adeptos e dirigentes que, notória e claramente se instalou desde o recomeço da segunda parte e que reduzirá drasticamente as possibilidades de sucesso que o que falta de época ainda permite fazer sonhar.

Que os conselhos dados ontem à noite por José Mourinho a Chumbita Nunes, num conhecido restaurante setubalense, venham rapidamente a surtir efeito, são os meus sinceros desejos.

Saudações Vitorianas
Spry

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