quarta-feira, outubro 29, 2003

Três clubes no coração- um relato admirável

Notem os leitores a salutar convivencia de 3 emblemas dentro do mesmo coração:



Nunca fui dado a "futebolices", ainda que nos meus tempos de menino e moço não escondesse o secreto desejo de vir a ser guarda-redes. Lembro-me de às escondidas da minha mãe eu próprio confeccionar na máquina de costura umas joelheiras (guarda-redes que se preze tem que ter joelheiras!...). Por outro lado, estas safaram-me de algumas sovas, coisa que tinha certa se aparecesse a casa com os joelhos rotos... Como já disse, nunca, de facto, tive grande jeito para o futebol, mas teimava... Jeito, jeito mesmo, (bem não era tosco) tive para o andebol, cheguei a fazer parte da selecção da então Escola Secundária Polivalente do Entroncamento, jogava a meia distância.

Também, não me recordo de alimentar grandes discussões acerca do fenómeno desportivo. Lia, como quase todo o pessoal da minha geração «A BOLA», na Sociedade Artística, actual "Casa da Cultura" ali na Rua dos Escudeiros em Castelo de Vide. Interessavam-me, particularmente, os pormenores da Volta a Portugal, nomeadamente, quantos minutos o Fernando Mendes tinha de atraso em relação ao campeoníssimo Joaquim Agostinho... O coração, vermelho é claro, falava mais alto que a razão. Recusava-me a ver, a reconhecer que Agostinho era o maior (aquele mesmo a quem anos mais tarde o saudoso Zeca Afonso apresentou como símbolo da valentia, nos "Índios da Meia Praia".) Claro ele vestia a camisola do eterno rival...

Não alimentar discussões, não significa, de modo algum, distanciamento em relação ao fenómeno desportivo, em geral, ou ao futebolístico, em particular. De quando em vez, também, meto a minha colherada ...

Porém, Abril aconteceu! Foi um acontecimento de dimensão tão profunda, mexeu com tanta coisa que não podia dispersar-me por questões "tão pequenas"... A vida era tão intensa que não tínhamos tempo para mais nada...

Mantive, porém, sempre uma grande ligação afectiva a três grandes clubes de futebol: Ao "Glorioso" Benfica, ao Vitoria, de Setúbal claro, e à Académica, a nossa "Briosa". Porquê este afecto tripartido? Sei lá!... Mas, sempre vos digo que se nasce e morre "benfiquista" sem se saber porquê! Perguntem aos milhões, (escrevi bem, escrevi de facto milhões, porque são milhões) de portugueses adeptos do Benfica... Perguntem-lhes porque o são?

Da "Briosa", a mais simpática e irreverente equipa de futebol, (ou não seja ela uma secção da Associação Académica de Coimbra ...) famosa escola de irreverência juvenil e resistência ao fascismo... Quem não se recorda da final da Taça de Portugal e do luto académico que a "Briosa" levou para o campo? Os valores pesavam muito na altura... E o folclore saudável e alegre em que se transformavam as bancadas dos campos de futebol onde a "Briosa" jogava?!... São coisas que ficam e marcam gerações ... Eis as razões, porque reservo um pedaço do coração para a Académica.

Do Vitória ... bem ... Setúbal ... Aqui vivi utopias, aqui alimentei sonhos, aqui os partilhei... e aqui ficaram!... Setúbal deu-me quase tudo e tudo me tirou... Gostar da cidade é gostar do clube da cidade. Ser setubalense é ser vitoriano! Mas antes, muito antes de sonhar sequer em pisar o solo sadino, já torcia pelo Vitoria. O Vitoria, da década de 60, dos tempos do José Maria Pedroto, dos tempos do "Jota-Jota", do Octávio jogador, do Vítor Batista, inclusivamente ... Esse Vitória semeou pelo País uma onda de simpatia, particularmente pela sua apetência para "deitar fora da carroça" os clubes ingleses... Eram outros os tempos!

Quando, por razões que não vêm a propósito a hierarquia militar me transferiu de Estremoz, onde cumpria o serviço militar obrigatório, para Setúbal, eu que nunca tinha pisado o solo setubalense, que não conhecia nada da cidade, tive a nítida sensação de estar em casa, de conhecer a cidade na perfeição... A sensação foi ainda maior quando me encontrei no Jardim do Bonfim e me vi a reconhecê-lo como se já antes ali tivesse estado. Sabem porquê? Porque numa das gloriosas noites europeias do Vitória, o jornalista a quem coube o relato, fez uma pormenorizada descrição do lugar, tão viva, tão real, que, décadas mais tarde me serviu para o reconhecer... e então, eu pude "rever" uma década depois, o parque cheio de sadinos hasteando bandeiras do seu Vitória a caminho do estádio. Aquela fabulosa descrição que o relator de então soube fazer, foi talvez a imagem mais fiel que a rádio me conseguiu transmitir. Mais que um retrato falado foi uma imagem real que me chegou.

Existe ainda uma razão forte para explicar a simpatia pelo Vitória, se é que as coisas do coração têm explicação. Setúbal, ideologicamente, era (era friso) uma cidade de referência... e eu sou um homem de referências, particularmente, as que se situam do lado esquerdo do coração, essas sobretudo tocam-me fundo. O Setúbal clube não é o Setúbal dos alentejanos fugidos à miséria, à fome e ao desemprego, dos alentejanos que "fizeram" a SETENAVE, e tantos colossos da indústria... mas é o porta-estandarte da cidade... E a cidade somos todos nós, os que de cá são e os que para cá vieram... Para além de que o Vitória de Setúbal é o clube dos meus filhos...

Até aqui estive a situar-me na área dos "futebóis", dizendo-lhe para quem vai a minha simpatia clubista. Sobre as simpatias clubistas ainda vos digo que o coração bateu forte com aquele calcanhar do Madjer, lembram-se?!...


Foi apenas um excerto da peça escrita pelo senhor António A. Ramos e que pode ser lido na íntegra aqui .

Será que vais gostar?
Spry

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