terça-feira, outubro 07, 2003

Diz quem viu que se tivesse jogado num dos denominados grandes teria hoje o país a seus pés. Cresci como vitoriano habituado a ouvir falar dele, das suas fintas, do seu drible estonteante, do pé esquerdo mais habilidoso que jamais pisou os relvados portugueses, dos adversários prostrados no chão dominados, vencidos perante o perfume, a sagacidade e a magia do seu futebol.
Falo-vos da pérola africana Jacinto João, conhecido no futebol e no Vitória como " J.J.".
Não vi jogar Eusébio, não vi jogar Pelé nem Beckenbauer, não vi o Puskas nem o Garrincha, mas se hoje pudesse escolher e me fosse dada a oportunidade de regressar ao passado e disfrutar das maravilhas de um futebolista, a minha eleição recaía sem dúvida no Jacinto João.
O seu pé esquerdo e o drible desconcertante granjearam-lhe a admiração de uma inteira massa associativa e não só, pois muitos eram os adeptos de outros clubes da capital, que ao Domingo à tarde rumavam a sul unicamente para verem jogar o Vitória de Jota Jota.
Entre muitas e muitas tardes de glória que conheceu com o emblema do Vitória, a que mais está guardada na memória colectiva dos sócios e adeptos do Vitória é sem dúvida a da conquista da Taça de Portugal frente à Associação Académica de Coimbra.

Dia 9 de Julho de 1967. Local: Estádio Nacional.
O Jamor rebentava pelas costuras, o negro das capas coimbrãs rivalizava com o verde e branco das gentes sadinas. Uma magnífica tarde de sol, temperatura elevada, ânimos ao rubro. Frente a frente dois porta estandartes, dois gigantes do futebol português. Ambos os emblemas portadores de uma responsabilidade elevada. O Vitória emblema de toda uma cidade e a Académica senhora do coração dos estudantes da Academia.
Chegaram ambas à grande final, com inteira justiça tendo a Académica eliminado o Benfica nos quartos de final depois de 2-0 no Calhabé e de uma derrota na Luz por 2-1 e suplantado nas meias o Braga por uns convincentes 1-2 e 4-1 fora e em casa respectivamente. Por sua vez o Vitória deparou-se-lhe como adversário o F.C. Porto que despachou superiormente com 3-0 no Bonfim e um claro 4-4 em pleno estádio das Antas.
Do lado do Vitória, treinado pelo saudoso Fernando Vaz, alinharam:
Vital, Conceição, Leiria, Herculano e Manuel Santos " Carriço"; Tomé e Vitor Batista: Guerreiro, José Maria, José Pereira "Pedras" e Jacinto João "J.J."
os marcadores pelo Vitória foram: José Maria, Guerreiro e Jota Jota.
Do lado da briosa Associação Académica Toni e Vieira Nunes sobressaíram, sendo os golos apontados por Celestino e Ernesto.
Foi, das 8 ( oito ), em que o Vitória esteve presente, talvez a que mais tocou a alma vitoriana, como diz Madureira Lopes, " quiçá, pela atmosfera fervilhante que a envolveu e pelas circunstâncias dramáticas em que o triunfo do Vitória foi conseguido: já o sol empalidecia no Estádio do Jamor, após uma maratona inesquecível que durou longos e duros 144 minutos disputados sob o calor impiedoso do mês de Julho, quando Jota Jota apontou o golo mágico da vitória, arrancando brados de esfusiante alegria entre os sadinos e lágrimas doloridas aos olhos dos estudantes"

"FOI UMA AUTÊNTICA LOUCURA!!!" disse Jacinto João após o memorável jogo, " Aquilo foi a maior maratona do futebol português, uma Taça disputada em dois prolongamentos seguidos! Já quase todos se arrastavam pelo relvado" conta Jota Jota e prossegue: " recebi um passe de José Maria sobre o meu lado esquerdo, passei Celestino e vi que Crispim não aguentou a minha escapada e caiu no relvado a queixar-se de cãibras. Fui na direcção de Maló, enganei o grande guarda-redes, rematando para o lado contrário onde lhe apareci. Com aquele golo, mesmo, mesmo no fim do segundo prolongamento de meia hora, a Taça era nossa. Foi uma autêntica loucura!!!", disse.

Foi a consagração merecidíssima de um extremo esquerdo desconcertante, que Vítor Santos, jornalista do Jornal A Bola e chefe de redacção na altura do acontecimento, diria que personificava como mais ninguém a beleza e o enleio do " Futebol-Macumba"
Spry

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